domingo, 31 de janeiro de 2016

O SISTEMA PRISIONAL, A INSEGURANÇA E A BURRICE




ZERO HORA 30 de janeiro de 2016 | N° 18430



CARLOS EDUARDO RICHINITTI*



Quem tem contato com a realidade prisional do Rio Grande do Sul – onde o Presídio Central, o pior do Brasil, se destaca – experimenta dois sentimentos: em primeiro lugar, a vergonha de ser gaúcho. Em segundo, a revolta com a burrice e incompetência do Estado, pois o descaso de anos está se refletindo, agora, nas ruas.

Instalou-se um verdadeiro sentimento de faroeste, em uma terra sem lei. Os bandidos, em deboche à autoridade do xerife, já sem hora ou local, fazem acontecer. Viver ou morrer – por bala perdida ou achada pela bandidagem dominante – é mera questão de sorte ou azar.

Uma série de causas contribui para o atual quadro de violência: tráfico, educação deficiente, crise financeira, desigualdade social, impunidade e falta de policiamento são, sem dúvida, elementos inafastáveis. No entanto, é justamente no caos prisional que está um dos principais fatores responsáveis pela situação caótica atual e, pior, talvez a com solução mais fácil, com repercussão mais efetiva, rápida e menos onerosa.

O Estado está literalmente ajudando a organizar o crime, pois, incapaz de melhorar as prisões, entregou sua administração aos bandidos, que se organizam em facções. Quanto pior for a situação por lá – quanto mais degradante se revelar aquele ambiente –, maior será o poder das facções. Estas mantêm a ordem lá dentro, mas cobram pela comida e pela proteção dispensada, substituindo o Estado, arregimentando e comprometendo presos, que pagam, quando saem às ruas, o que devem cometendo outros ilícitos.

Experiências no mundo todo mostram que o combate ao crime é, antes de tudo, um serviço de inteligência. Não há dúvidas de que precisamos de mais policiais e que a lei precisa ser mais dura e efetiva. No entanto, é urgente que atentemos ao quadro de indignidade vigente nas nossas masmorras medievais, pois o caos dessa realidade está regurgitando violência e servindo literalmente para organizar o crime aqui fora.

Urge, por uma questão de direitos humanos e até mesmo de racionalidade, que retomemos o controle das prisões, dando um mínimo de dignidade para quem está no sistema, evitando que lideranças substituam o Estado. Soa óbvio, mas talvez seja muito à política que age e pensa apenas pela visão curta daquilo que dá voto – ainda que essa omissão esteja literalmente matando culpados e inocentes (ditos livres) nas ruas.

Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado*


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA -  Realmente, a execução penal no RS dá "vergonha de ser gaúcho" por ser falho, irresponsável, desumano e sem objetivos. Apesar de existir poderes e órgãos da Execução Penal com incumbências previstas em lei, não há integração nem sintonia, mas uma omissão generalizada  que deixa de apurar responsabilidade, foge de obrigações e empurra a culpa sem cobrar soluções sob as penas da lei. É nesta omissão que está a "burrice e incompetência do Estado", pois este "descaso de anos está se refletindo, agora, nas ruas". Aqueles que supervisionam, inspecionam, visitam e fiscalizam denunciam as ilicitudes, mas os culpados permanecem impunes.

 Enquanto o Poder Judiciário que é o poder supervisor da execução penal, garantidor dos direitos e principal ator da execução penal, não assumir um papel coativo, nada mudará. A omissão da justiça é que torna o RS "uma terra sem lei". Precisamos sim de "mais policiais e que a lei precisa ser mais dura e efetiva", mas o "quadro de indignidade vigente nas nossas masmorras medievais" só vai ser solucionado o dia em que a justiça assumir o seu papel para retomar "o controle das prisões, dando um mínimo de dignidade para quem está no sistema". Enquanto os juízes se manterem distante, isolados, sem compromisso com a segurança pública e sem vontade para constranger o poder político em defesa dos direitos, os subsistemas prisional e policial não serão capazes de exercer com eficiência a função essencial à justiça exigida pelo Estado Democrático de Direito.

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