domingo, 5 de abril de 2015

NOVA CADEIA PROMETE PAZ AOS VIZINHOS




ZERO HORA 04 de abril de 2015 | N° 18122

JOSÉ LUÍS COSTA


SEGURANÇA ATRÁS DAS GRADES

PRISÃO COM CAPACIDADE para 529 apenados é aberta em Venâncio Aires, em terreno onde havia um instituto penal no qual criminosos que deveriam estar trancados entravam e saíam sem serem importunados



De um modo geral, comunidades rejeitam a construção de penitenciária sob o argumento de que é sinônimo de violência. Mas no Vale do Taquari, a situação é inversa. Venâncio Aires se esforçou para ter a sua. A mais nova prisão gaúcha vai desafogar cadeias lotadas da região e servirá de alívio para curar antigas feridas.

Castigado pelo descontrole do regime semiaberto da extinta Colônia Penal, antes chamada de Instituto Penal de Mariante (IPM), o município foi vítima, por quase uma década, de criminosos que saíam à noite para roubar e voltavam para dormir ao amanhecer. Em 2009, por exemplo, foram 408 fugas consumadas – como se todos os apenados abandonassem o albergue naquele ano. Além disso, era palco de execuções e desaparecimentos de presos (leia ao lado).

A situação levou ao desespero a Vila Estância Nova, vizinha da área prisional, e colocou a cidade em pé de guerra com autoridades prisionais. Em 2010, por iniciativa do prefeito Airton Artus (PDT), foi proposta ao governo do Estado a construção de uma prisão em regime fechado – o que quase nenhuma cidade queria – em troca do fim da farra do semiaberto, em 2013.

– Ninguém suportava mais aquilo. Foi uma decisão importante, e a comunidade aceitou bem. Tem tudo para dar certo – afirma Artus.

Situada em área de 99 hectares pertencente ao Estado – onde era o IPM –, a Penitenciária Estadual de Venâncio Aires (Peva) tem capacidade para 529 apenados. Concebida sob novas técnicas de engenharia prisional, tem como um dos diferenciais a obrigatoriedade do uso de uniforme e a proibição de visitas nas celas, construídas em chapas de concreto, que dificultam abrir buracos e resistem até a tiros de fuzil, segundo o delegado penitenciário Eugênio Elizeu Ferreira.

– É a melhor cadeia que temos – assegura.


COLÔNIA PENAL ERA VISTA COMO UM SPA

A Peva era prometida havia cinco anos. O governo Yeda Crusius (PSDB) chegou a lançar um projeto, mas foi barrado pelo Tribunal de Contas do Estado por falta de licitação. A penitenciária se materializou no governo Tarso Genro (PT) ao custo de R$ 21,6 milhões aos cofres do Estado. Foi inaugurada em outubro passado, mas só agora está sendo ocupada.

Nesse meio tempo, enfrentou alguns contratempos. Uma cópia da planta baixa da cadeia foi apreendida com uma quadrilha de assaltantes de bancos do Vale do Sinos, causando preocupações sobre eventual resgate de futuros presos. E, em dezembro, foi interditada pelo juiz da Vara de Execuções Criminais de Venâncio Aires, João Francisco Goulart Borges, por causa de vazamento de gás da cozinha e porque mesas e bancos em concreto dos refeitórios estavam com ferragem exposta.

– Os problemas estão resolvidos. As mesas e bancos foram substituídos por metal e fixados no piso. É uma boa penitenciária – diz o magistrado.

Conforme o juiz, a Peva vai abrigar presos dos vales do Rio Pardo e do Taquari. Excepcionalmente, por causa de superlotação em outras comarcas, tem recebido apenados por 30 dias. Na quarta-feira passada, tinha 78 presos.

Entre a comunidade do entorno da nova penitenciária o sentimento mistura expectativa de dias melhores e apreensão.

– Moro ao lado dessas terras desde a abertura do semiaberto, em 1971. Vinha gente boa, mas depois, nos anos 1990, era só coisa braba. Não respeitavam ninguém, matavam e atiravam no mato. Acho que vai melhorar – comenta o agricultor aposentado Darcy Vargas, 76 anos.

– Com essa cadeia, não poderão sair para a rua. Não tem mais campo aberto – acrescenta o aposentado Nestor Marques da Costa, 65 anos.

O mecânico de automóveis Nelson Antônio Mees, 56 anos, está menos otimista.

– Antes, era um spa para criminosos. Agora, estamos nos recuperando, mas me preocupo com o futuro, quando a penitenciária estiver lotada – lembrando que no começo da semana um preso da cozinha foi flagrado com uma espécie da faca feita de acrílico.




Com a nova penitenciária, dois albergues foram abandonados

Antiga casa de padres em uma área rural de 99 hectares em Venâncio Aires, o local virou Instituto Penal de Mariante (IPM) em setembro de 1971. Até meados de 1995, tinha 45 apenados em regime semiaberto, que plantavam hortaliças para creches municipais. A partir de 1997, com a remoção de presos da Capital sem perfil agrícola, as atividades no campo foram rareando, e aumentando crimes praticados pelos detentos.

Entre 2006 e 2008, o IPM, com 172 vagas, tinha quase o dobro de apenados e registrou 2 mil fugas. O juiz Sidinei Brzuska, da Vara das Execuções Criminais da Capital, definiu assim a situação:

– Se alguém chegar de surpresa, de dia ou de noite, terá a nítida sensação de que as coisas estão invertidas. Os servidores estão presos e os presos, soltos.

Grades de janelas eram soldadas de dia por agentes, mas serradas a noite por presos que fugiam armados para cometer assaltos. Janelas chegaram a ser fechadas com tijolos para tentar conter, em vão, as escapadas. Um ex-agente recorda:

– Eram seis guardas para e 350 presos. Fingiam que vigiavam eles, e eles fingiam que estavam presos.

Apesar do caos na unidade, em 2010 o governo do Estado decidiu investir R$ 843,6 mil do governo do federal em obras. O IPM não foi reformado, mas construído um prédio anexo. O novo pavilhão, em pouco tempo, se deteriorou. O antigo foi interditado pela Justiça em junho de 2012. Meses antes, ocorreram duas execuções de presos e um desaparecimento – as vítimas eram esquartejadas e enterradas nos arredores. Em 2013, o anexo também foi interditado.



Presídio não ajudará a desafogar o Central


Diferentemente do que previa a gestão anterior da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), a nova cadeia de Venâncio Aires não vai receber presos da Capital.

A ideia era transferir para lá até 200 presos, ajudando a aliviar a superlotação do Presídio Central de Porto Alegre, mas isso está vetado pelo juiz da Vara de Execuções Criminais de Venâncio Aires, João Francisco Goulart Borges.

No máximo 50 apenados, já condenados, deverão ser removidos do Central para a Penitenciária Estadual de Venâncio Aires (Peva). São moradores da região e cumprirão penas próximo de casa, conforme previsto pela Lei de Execução Penal.

Em outubro passado, o pavilhão C do Presídio Central foi demolido como ponto de partida para desativar ou mesmo fechar a cadeia. Os presos foram transferidos temporariamente para a Penitenciária Modulada de Montenegro, mas tiveram de voltar e foram amontoados no Central porque as obras em cadeias de Canoas atrasaram. Atualmente, o presídio tem mais do que o dobro da capacidade. São 4.028 presos em espaço para apenas 1.824 vagas.

Para resolver o problema do Central, a Susepe segue apostando na abertura do complexo de Canoas, que terá 2,8 mil vagas. Conforme a assessoria de comunicação da Susepe, as obras em Canoas serão concluídas em 120 dias. Também está em construção a Penitenciária Estadual de Guaíba, que terá espaço para 672 presos. Porém é apontada como uma alternativa mais remota para ajudar a desafogar o presídio Central de Porto Alegre.





ESTRUTURA MODERNA
Ao custo de R$ 21,6 milhões, construção usa técnicas de engenharia prisional
- As celas das quatro galerias têm sistema no qual agentes ficam em uma passarela em piso superior, sem proximidade com presos.
-Câmeras vigiam o ambiente, gerando imagens para uma sala de controle no setor administrativo e também para uma central de monitoramento na Susepe.
-Familiares de apenados, advogados e demais visitantes, na entrada, passam por um portal de detector de metais. Um aparelho de raio X visualiza o interior de bolsas e pacotes levados por visitantes.
-Cada galeria tem espaço para unidade de trabalho e uma biblioteca. A prefeitura pretende organizar cursos profissionalizantes, e com apoio do Estado, erguer um complexo industrial no entorno, aproveitando mão de obra prisional.
-Há ainda um parlatório para conversa entre o preso e o advogado. Somente é possível o contato visual, separado por uma chapa de acrílico incolor. O diálogo é feito por meio de interfone.
-As celas são dotadas de duas lâmpadas embutidas, duas tomadas elétricas, camas de concreto, vaso sanitário, pia e chuveiro quente. É proibido o ingresso de visitantes, que devem encontrar o preso no pátio cercado de telas para evitar arremessos. A alimentação é servida no refeitório. Em cada galeria, um cela adaptada para cadeirante e três para encontros íntimos.
-A Susepe conta com psicólogo e assistente social, e a prefeitura banca serviços médicos e de odontologia e também será responsável pelo ensino regular que deve começar no segundo semestre.

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