quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

PRESÍDIOS CRIAM MONSTROS


Ouvidora diz que presídios “criam monstros”. Chocada com o que viu no presídio da Paraíba, a ouvidora da Secretaria de Segurança Pública, Valdênia Paulino, critica militarização nos presídios e falta de percepção da sociedade

POR EDSON SARDINHA - CONGRESSO EM FOCO, 08/09/2012 07:30


Relatório do Conselho Estadual de DH da Paraíba

Conselheiros foram detidos porque pediram aos presos que fotografassem celas às quais não tiveram permissão para visitarNo último dia 28, a ouvidora da Secretaria de Segurança Pública do Estado da Paraíba, Valdênia Paulino, esteve detida por três horas na Penitenciária Romeu Gonçalves de Abrantes, em João Pessoa. Como mostrou ontem (7) o Congresso em Foco, Valdênia e outros cinco representantes do Conselho Estadual de Direitos Humanos foram presos por determinação do diretor do presídio por terem registrado em fotos o cenário de degradação a que estão submetidos os presidiários – nus, sem colchão, nem água, acomodados entre fezes e urinas.

Integrante do Conselho Estadual de Direitos Humanos, a advogada diz que não há como recuperar qualquer pessoa em um ambiente em que não há respeito à dignidade humana. Na opinião dela, o poder público falha ao deixar o controle do sistema prisional nas mãos de policiais militares. E falha também a parcela da sociedade que defende o pior tratamento possível aos presos, segundo ela. O atual modelo, diz a ouvidora, só forma “monstros” com dinheiro público.

“Uma parte da sociedade, por falta de conhecimento, acredita que o preso deve ser tratado assim mesmo. Mas não vê que os seus impostos estão sendo usados para criar monstros. Esses presos estão lá para serem recuperados”, afirma. Tratados em condições desumanas e degradantes, em vez de serem ressocializados, os presidiários voltam ao convívio com a sociedade ainda mais revoltados e violentos, observa.

Para Valdênia, a presença de militares nos presídios prejudica a recuperação dos presos e configura um “desvio de função”. “Cada um que fique com suas atribuições. Há mais de 1,5 mil policiais militares trabalhando no sistema penitenciário. Mas o próprio legislador foi inteligente ao prever que quem prende não pode cuidar do preso. Estão militarizando o sistema penitenciário”, avalia. Advogada e pedagoga, a ouvidora tem mestrado em Direito Social e foi indicada pelo Conselho para o cargo, em lista tríplice encaminhada ao governador Ricardo Coutinho no ano passado.

Em nota enviada ao Congresso em Foco após a publicação desta reportagem, a Secretaria de Comunicação Institucional do Governo da Paraíba negou a existência de uma “militarização” nos presídios do estado. Segundo a assessoria, apenas duas das 78 unidades prisionais são dirigidas por policiais militares. A nota também destaca as ações do governo voltadas para a saúde e a educação dos presos (leia a íntegra). Questionada pela reportagem, a Secretaria de Administração Penitenciária diz não haver incompatibilidade no exercício das funções. O secretário da pasta é um coronel da Polícia Militar. O diretor da Penitenciária Romeu Gonçalves de Abrantes, onde Valdênia foi detida, é um major. A ouvidora, porém, não está sozinha em suas críticas.

Recuperação?

“Temos de acabar com essa militarização do sistema penitenciário. Tem de haver administradores que conheçam a Lei de Execuções Penais. A pena é a privação da liberdade, mas a direção tem de dar condições para que eles retornem à sociedade e não venham cometer os mesmos crimes. Mas isso não ocorre”, reclama o deputado Luiz Couto (PT-PB), ex-presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara.

O procurador da República Duciran Farena, que também faz parte do Conselho Estadual de Direitos Humanos, acredita que não há como falar em recuperação se não houver mudança de filosofia no sistema prisional brasileiro. “Não dá para falar em recuperação em um sistema prisional em que os presos não trabalham. Temos, pelo menos, de evitar que eles morram”, considera.

Degradação


Amontoados, nus, em celas fétidas. Assim o Conselho Estadual de Direitos Humanos encontrou os presos em penitenciária da Paraíba

Durante a visita à penitenciária, os seis conselheiros dos Direitos Humanos encontraram alojados 80 presos que faziam greve de fome por melhores condições de tratamento. Motivos para queixas não faltavam: não havia vaso sanitário, apenas uma bacia higiênica, que era compartilhada por oito dezenas de homens. Não havia colchão nem rede para os presidiários dormirem. Eles reclamavam de sede, que não tinha água potável e que passavam até meses sem tomar banho de sol.

O cenário tornou-se ainda mais degradante quando os conselheiros se dirigiram à ala em que estavam as chamadas celas de disciplina. Apesar de os agentes penitenciários se recusarem a abrir os portões para a visita dos conselheiros, o mau cheiro denunciava a precariedade das condições. “Havia sinais de vômito na área externa das celas e só podíamos ver as mãos dos presos e ouvir o que tinham a dizer. Não era possível vê-los, pois a abertura para ventilação nas paredes era pequena e as celas estavam escuras.”

Foi por uma dessas frestas de ventilação que os conselheiros passaram uma máquina fotográfica para que um dos presidiários registrasse o que se passava lá dentro. Não havia móveis nas celas. Nem vestes em seus corpos. Todos se amontoavam nus, sem acesso a banho e água potável. Alguns informaram que estavam há quatro meses sem banho de sol e que havia, entre eles, presos feridos pelos agentes penitenciários.


Presidiários vivem nus no meio de fezes na Paraíba. Integrantes do Conselho Estadual de Direitos Humanos que registravam os problemas foram detidos pelo diretor da penitenciária. Ministério Público, Polícia Federal e governo estadual apuram denúncias de maus tratos aos presos e aos conselheiros

POR EDSON SARDINHA | 07/09/2012 07:00


Nem colchão, nem água potável. Um amontoado de 80 homens nus dividindo espaço numa cela com fezes flutuando em poças de água e urina. Entre eles, apenas uma bacia higiênica, esvaziada esporadicamente. Odor insuportável, umidade excessiva, pouca ventilação. Esse foi o cenário com o qual um grupo do Conselho Estadual de Direitos Humanos deparou na Penitenciária de Segurança Máxima Romeu Gonçalves de Abrantes, em João Pessoa (PB), no último dia 28. Mas a violação aos direitos humanos no PB-1, como é mais conhecido o presídio, não parou aí.

Responsáveis por relatar as condições oferecidas pelo estado aos presos, os seis conselheiros – entre eles, a ouvidora de Segurança Pública da Paraíba, uma defensora pública, uma professora universitária e um padre – tiveram prisão anunciada pelo diretor do presídio. Detidos por três horas e ameaçados de serem conduzidos a uma delegacia de polícia, só foram liberados após a intervenção do Ministério Público Estadual, que apontou abuso nas detenções.

Dez dias depois do episódio, o major Sérgio Fonseca de Souza, responsável pelo presídio e pelas prisões, continua na direção do PB-1. Mas sob intenso fogo cruzado.

A Polícia Federal e o Ministério Público Federal abriram inquérito para apurar se ele cometeu os crimes de abuso de autoridade e cárcere privado ao deter os conselheiros. Pressionado, o governador Ricardo Coutinho (PSB), que mantém o major no cargo, criou uma comissão formada por representantes do governo, da sociedade civil e do próprio Conselho, que terá 30 dias para apresentar suas conclusões sobre o episódio. Paralelamente, a Secretaria de Administração Penitenciária abriu uma sindicância interna. Os conselheiros defendem o afastamento de Sérgio Fonseca do comando do presídio até o término das apurações.

Fotos da discórdia

O diretor da penitenciária alega que os conselheiros cometeram uma ilegalidade quando pediram a um presidiário que fotografasse a própria cela, cujo acesso não havia sido liberado aos representantes do Conselho. Um argumento que não se sustenta, segundo o Ministério Público Federal. “Resolução do Conselho Estadual de Polícia Penitenciária impede a entrada de máquina fotográfica e celular em presídios. Mas isso não se aplica ao Conselho Estadual de Direitos Humanos. Sem fotografar, não há como fazer qualquer relatório que seja. Temos sempre de ter fotos”, contesta o procurador da República na Paraíba Duciran Farena.


Lixo por toda parte

Uma das pessoas detidas, a ouvidora da Secretaria de Segurança Pública, Valdênia Paulino, reforça que a resolução alcança somente os visitantes. Ela lembra que a competência do Conselho Estadual de Direitos Humanos é regulada por uma lei estadual. “Uma resolução não pode ser maior que uma lei. Atuamos pautados pela legalidade. Para ser conselheiro estadual de Direitos Humanos, é preciso ter reputação ilibada. O conselho tem representantes da sociedade civil. Era um grupo de autoridades”, reforça.

Os conselheiros se recusaram a entregar a máquina fotográfica aos agentes penitenciários. E incluíram as imagens em relatório despachado à Secretaria de Administração Penitenciária, ao governador Ricardo Coutinho, ao Ministério Público Federal e ao Juizado de Execuções Penais. Procurada, a secretaria informou que ainda não recebeu oficialmente o relatório, mas que está apurando tanto a versão do diretor do presídio quanto a dos conselheiros.


Pediam água, recebiam balas de borracha. Segundo o relato do Conselho Estadual de Direitos Humanos, as condições sofridas pelos presos da Paraíba são desumanas

POR EDSON SARDINHA | 07/09/2012 07:00


O vaso sanitário da cela, entupido, com vômito e fezes boiando

O relato das condições a que os presos da Paraíba estavam submetidos são impressionantes. “Os presos disseram que não sofriam violência física diretamente. Mas quando reivindicavam água, por exemplo, os agentes desferiam balas de borracha contra eles. As condições desumanas e degradantes ao extremo são também uma forma de tortura”, observa a ouvidora Valdênia Paulino.

Depois de aguardar por uma hora a autorização para entrar no presídio, os representantes do Conselho Estadual de Direitos Humanos foram avisados de que não teriam segurança oferecida pelos agentes penitenciários e que deveriam assumir, por conta própria, os riscos da visita. A inspeção foi motivada por denúncias de maus tratos, tortura e tratamento desumano e degradante.

“Desde o início da visita, foi constatado o péssimo estado físico do estabelecimento, com 40 a 120 pessoas ‘amontoadas’ em celas com espaços reduzidos, todas sem colchões ou qualquer outro local para dormir, úmidas, molhadas e sujas com fezes”, conta o texto assinado pelos seis conselheiros.

No primeiro pavilhão, eles encontraram alojados 80 presos que faziam greve de fome por melhores condições de tratamento. Motivos para queixas não faltavam: não havia vaso sanitário, apenas uma bacia higiênica, que era compartilhada por oito dezenas de homens. Não havia colchão nem rede para os presidiários dormirem. Eles reclamavam de sede, que não tinha água potável e que passavam até meses sem tomar banho de sol.

“Houve ainda o relato de diversos presos de que um apenado doente, de nome Luis Carlos Nascimento dos Santos, ficou esperando fora da cela, sofreu agressões e teria falecido em seguida, no dia 25 de agosto de 2012, sem qualquer assistência médica, sendo o corpo levado para local que desconhecem”, informa o relatório.

Nudez castigada

O cenário tornou-se ainda mais degradante quando os conselheiros se dirigiram à ala em que estavam as chamadas celas de disciplina. Entre os presos, estavam homens que haviam sido flagrados recentemente cavando um túnel para fugir do presídio. Apesar de os agentes penitenciários se recusarem a abrir os portões para a visita dos conselheiros, o mau cheiro denunciava a precariedade das condições. “Havia sinais de vômito na área externa das celas e só podíamos ver as mãos dos presos e ouvir o que tinham a dizer. Não era possível vê-los, pois a abertura para ventilação nas paredes era pequena e as celas estavam escuras.”

Foi por uma dessas frestas de ventilação que os conselheiros passaram uma máquina fotográfica para que um dos presidiários registrasse o que se passava lá dentro. Não havia móveis nas celas. Nem vestes em seus corpos. Todos se amontoavam nus, sem acesso a banho e água potável. Alguns informaram que estavam há quatro meses sem banho de sol e que havia, entre eles, presos feridos pelos agentes penitenciários.

“Manter os presos nus é abuso de autoridade com requinte de crueldade. O diretor não cumpriu a Lei de Execuções Penais”, avalia a ouvidora da Secretaria de Segurança Pública, Valdênia Paulino. Para o procurador da República Duciran Farena, que representa o Ministério Público Federal no Conselho Estadual de Direitos Humanos da Paraíba, a situação do presídio PB-1 é ainda mais preocupante por não ser um caso isolado. Farena afirma que nem mesmo a truculência empregada contra os conselheiros, detidos no momento da visita, chega a ser uma grande novidade. “Quando se trata de questão penitenciária, existe uma resistência muito grande aqui”, observa o procurador da República.

Procurada, a assessoria de imprensa da Secretaria Estadual de Administração Pública informou que o secretário Coronel Washington França só concede entrevistas pessoalmente e que o diretor da penitenciária, major Sérgio Fonseca de Souza, não estava autorizado a dar declarações sobre o episódio. Segundo a assessoria, “tudo será apurado”, inclusive, as imagens reunidas pelo Conselho Estadual de Direitos Humanos.



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