domingo, 1 de julho de 2012

PRISÕES BRASILEIRAS

ZERO HORA, 01 de julho de 2012 | N° 17117. ARTIGOS

MARCOS ROLIM, jornalista

As prisões são instituições modernas. Antes delas, houve as masmorras, onde acusados aguardavam a execução das penas. A decisão de transformar a privação de liberdade em pena autônoma, entretanto, é algo recente na História. As prisões modernas foram concebidas como aparatos de controle para a reforma moral dos condenados. Passados 200 anos, as evidências mostram que elas não controlam, nem reformam. Pelo contrário, são funcionais à reprodução em escala ampliada das dinâmicas criminais, pela precipitação dos vínculos delituosos agenciados pelo cárcere e pela imposição do estigma aos egressos, espécie de sentença perpétua e silenciosa a empurrá-los de volta às estratégias ilegais de sobrevivência.

Os dois excelentes volumes de História das Prisões no Brasil (editora Rocco) trazem as circunstâncias e as concepções que acompanharam a construção dos primeiros presídios brasileiros, recompondo, assim, momentos importantes de nossa história desde um ângulo raro de pesquisa. O que há de mais surpreendente nestes textos é o fato de eles darem conta de uma realidade situada há dois séculos, onde brotam muitas das características atuais de nosso sistema. Neste sentido, a obra poderia trazer como epígrafe a frase de William Faulkner: “O passado nunca está morto. Não é nem mesmo passado”.

Nossa primeira penitenciária foi a Casa de Correção do Rio de Janeiro, cujas obras se iniciaram em 1834. O modelo escolhido foi o de pavilhões retangulares, com celas de ambos os lados, perfil que segue sendo reproduzido e que permitiu o descontrole de presos não mais separados em celas, mas em grandes grupos trancafiados em galerias.

O que se descobre em cada texto é que, desde o início, nossas prisões foram espaços violentos e imundos. Desde sempre estiveram abarrotadas e serviram como controle sobre os excluídos e não para segregar pessoas acusadas de crimes particularmente graves. Em 1912, um terço dos 389 homens da Cadeia Municipal do Rio de Janeiro estavam detidos por “vadiagem”; ou seja: estavam presos por terem feito nada. Desde os primórdios, nossas prisões misturaram ladrões e assassinos, mulheres e homens, loucos e mendigos e também adolescentes. Aqui, as prisões foram concebidas para os miseráveis, expressando seletividade radical, cujas raízes remontam às Ordenações Filipinas, que traziam definições penais distintas a depender da procedência social de vítimas e autores. Assim, por exemplo, a regra nº 38 (do que matou sua mulher por flagrante em adultério) assinalava: “Achando o homem casado sua mulher em adultério, licitamente poderá matar assim a ela como o adúltero, salvo se o marido for peão e o adúltero fidalgo ou nosso desembargador, ou pessoa de maior qualidade”. De onde se pode concluir que qualquer semelhança com o tratamento distinto oferecido pela persecução penal no Brasil, ainda hoje, a ricos e pobres não é mera coincidência. O governo do Estado planeja construir novos presídios. Serão mesmo “novos”? Esta me parece ser uma pergunta crucial. Também não é por acaso que ela não seja feita.

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